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Relatório Elcano sobre a América Latina

O IPDAL divulga o último relatório do Real Instituto Elcano, principal think tank de Espanha, sobre a situação política e económica da América Latina.

De acordo com o documento do Real Instituto Elcano, de 25 de Abril de 2016, a América Latina está a enfrentar uma crise económica, resultante da queda dos preços das matérias-primas e da desaceleração do comércio mundial.

Depois de mais de uma década de expansão económica sustentada pelo alto preço das matérias-primas, no auge do comércio mundial e de liquidez abundante, a mudança do contexto económico global e a falta de progressos na produtividade levaram a América Latina a uma profunda crise com graves desequilíbrios macroeconómicos e que ameaça os ganhos sociais importantes outrora alcançados.

De acordo com as últimas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), num contexto de desaceleração económica generalizada, as economias da região vão diminuir em média 0,5% este ano e terão apenas um pequeno aumento de 1,5% em 2017.

A Figura 1 apresenta duas realidades diferentes. Por um lado, os países da América do Sul liderados pelo Brasil e os seus vizinhos exportadores de matérias-primas, estão a atravessar um período especialmente adverso. Por outro lado, os países da América Central e das Caraíbas, com o México a liderar, estão a aguentar a situação de forma mais positiva. Em qualquer caso, a divisão Norte-Sul não é a única relevante. Os países da Aliança do Pacífico, aos quais deve ser adicionada a Bolívia (cuja economia vai crescer 3,8% este ano), conseguem manter o nível médio (México crescerá 2,4%, Colômbia 2,5%, Peru 3,7% e Chile 1,5%). No entanto, os países do Mercosul, mais dependentes das exportações de bens primários, estão a sofrer uma queda mais acentuada. Por fim, a Venezuela, encontra-se em queda livre (o seu PIB contraiu em 8% este ano, depois de cair quase 6% ano último).

No entanto, esta desaceleração ou recessão (dependendo de cada caso) não deve gerar crises financeiras profundas como no passado. Atualmente, a maior parte dos países têm níveis de dívida externa relativamente baixos, elevadas reservas internacionais, taxas de câmbio flexíveis com a demanda interna mais capaz de amortecer a deterioração da conjuntura internacional, bancos suficientemente capitalizados e melhores políticas macroeconómicas. Além disso, o menor crescimento não é traduzido num aumento significativo da taxa de desemprego, nem tão pouco produz saídas de capitais alarmantes.

Por último, a democracia tem sido consolidada na região e, na maioria dos países, começamos a assistir a mudanças de governos pacíficos após processos eleitorais transparentes. Mesmo o Brasil, que sofre um momento político turbulento por acusações contra a Presidente Dilma Rousseff.

O principal risco deste abrandamento económico centra-se na frustração das novas classes médias face ao ambiente recessivo, fazendo aumentar a agitação social que poderá acabar com os grandes avanços na redução da desigualdade, da pobreza e do aumento da coesão social que se tem produzido nos últimos anos.

A permanente dependência dos fatores externos

Nas últimas décadas, os países da América Latina têm feito esforços significativos para não se verem tão afetados pelo ciclo económico internacional como foram no passado. Aumentaram a sua renda per capita, têm diversificado (com desigual êxito) as suas economias e têm consolidado a suas classes médias com maior capacidade de consumo. No entanto, o seu crescimento ainda é fortemente dependente do que acontece no exterior, particularmente, do preço das matérias-primas, das condições de liquidez internacional e do dinamismo do comércio internacional.

Como mostrado na Figura 2, o preço dos produtos básicos colapsou, o comércio internacional estagnou e tudo indica que a região está a entrar numa Era de “normalização” das condições monetárias globais, que por sua vez irá levar a uma fase de menor liquidez internacional, marcada pela subida gradual das taxas de juros nos EUA. Como resultado, as moedas tendem a desvalorizar, os deficits fiscais tendem a aumentar (especialmente pela perda de receitas devido à queda dos preços das matérias-primas) e a inflação tende a acelerar-se e a superar as metas estabelecidas pelos Bancos Centrais (em qualquer caso, a inflação é apenas um fenómeno preocupante na Venezuela, considerando que o governo de Mauricio Macri na Argentina parece estar a tomar medidas de combate e que no resto dos países esta não é descontrolada).

Por tudo isto, mesmo que se consiga evitar problemas de dívida pública e petições de ajuda internacional como existiu no passado, a maioria dos países temem ter que fazer fortes ajustes para reequilibrar suas economias. O Real Instituto Elcano considera que quando a crise política é adicionada à crise económica, como no Brasil e na Venezuela, a última torna-se muito mais difícil de lidar.

A atual desaceleração vem no seguimento de um período extraordinariamente longo de prosperidade, marcado pelos preços crescentes das matérias-primas que, impulsionadas principalmente pela demanda chinesa, se mantiveram em níveis muito elevados desde 2003 até muito recentemente (o petróleo começou a cair em 2014 e outras matérias-primas um pouco antes). Este período foi invulgarmente longo e intenso. A relação real de intercâmbio, que melhorou, em média, 40% entre 2003 e 2013 (com níveis que chegaram a 200% no caso da Venezuela pelo alto preço do petróleo e mais de 90% no Chile pelo preço do cobre), leva já mais de dois anos a deslocar-se na direção oposta. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a gestão de receitas pelo alto preço dos produtos básicos em muitos países tem sido bastante favorável.

Até 2009, houve uma melhoria na relação real de troca derivada dos preços mais altos das exportações dos países levando-os a salvar parte das rendas extraordinárias e a impulsionar investimentos (muitos deles a partir do estrangeiro) em cima dos aumentos do consumo público. No entanto, a partir desse ano, a China redobrou o seu compromisso de investimento público para amortecer o impacto da Grande Recessão aumentando ainda mais a demanda global de matérias-primas, fazendo com que os países da América Latina começassem a aumentar os gastos públicos. Para o Real Instituto Elcano, a gestão deste crescimento tem sido melhor do que em ocasiões anteriores e, se os preços elevados não tivessem durado tanto tempo, provavelmente poderiam ter sido evitados alguns dos desequilíbrios macroeconómicos que estamos agora a observar.

As obrigações que não se fizeram

Enquanto a maioria dos países da região foram capazes de resistir à recessão global de 2009/10, com quedas de crescimento menos intensas e mais curtas que as economias avançadas, veem agora o seu crescimento contrair-se: em 2016 está previsto que os países desenvolvidos e os emergentes deverão crescer 1,9% e 4,1%, respetivamente, enquanto na América Latina se espera um declínio de 0,5%.

Isto deve-se a dois fatores. Por um lado, ao contrário do que aconteceu em 2009, quando os países tinham margem de manobra para levar a cabo políticas contra-cícilicas de expansão monetária e fiscal, atualmente estes não têm praticamente possibilidade de implementá-las. Não existe margem fiscal para aumentar a despesa pública e reduzir a liquidez global que, aliada à depreciação da moeda e ao aumento da inflação, não permite positivismo no campo monetário. Semelhante ao que aconteceu com Espanha durante a crise do euro, procura-se adotar políticas pró-cíclicas (especialmente cortes de despesas públicas) enquanto as economias estão em recessão ou desaceleração.

O segundo fator é a insuficiente aposta na oferta durante o período de crescimento. Nas últimas décadas, os níveis de educação básica aumentaram, as reformas nos mercados de bens e serviços foram implementadas, com os objetivos de aumentar a concorrência e melhorar o funcionamento do mercado de trabalho e implementaram-se reformas fiscais que permitiram ao Estado ter mais recursos para financiar os bens públicos. No entanto, a evolução positiva dos indicadores relativos à pobreza, desigualdade e bem-estar social, desde a virada do século, levou a uma convergência com os países desenvolvidos, embora menos significativa do que a experimentada pelos países emergentes do Sudeste Asiático.

O aumento da produtividade de toda a região em relação aos países desenvolvidos é dececionante, tal como mostrado na Figura 5. Neste sentido, a produtividade da mão-de-obra registou um aumento de 1,1% anual entre a segunda metade da década de 90 e o ano de 2013, muito abaixo dos países do Sudeste Asiático e até mesmo dos EUA (apenas Chile, Equador e Peru, os países que registaram os maiores aumentos de investimento, poderiam reduzir a diferença de produtividade em relação à economia dos EUA, e só a economia peruana registou um aumento da produtividade semelhante à média do Sudeste Asiático).

O lento crescimento da produtividade é explicada pelo baixo nível de poupança e investimento insuficiente refletido na Figura 6, a despesa limitada em I+D (Investigação e Desenvolvimento) que, como mostrado na Figura 5, incide no registo de muito poucas patentes (cuja evolução nos últimos anos é praticamente nula, igual ao número de artigos publicados em revistas científicas), deficiências nas infraestruturas (não apenas físicas, mas também relacionadas com as novas tecnologias, tais como acesso à banda larga), um sector externo pouco dinâmico e fora das cadeias de valor globais, bem como uma reprivatização da produção, sobretudo nos países exportadores de produtos primários.

A taxa dos produtos primários nas exportações latino-americanas aumentou quase 15 pontos percentuais entre 2000 e 2013, sendo o aumento ainda maior em países sul-americanos, o que somado aos que partiram de um nível mais elevado levou a que esses produtos supusessem cerca de 60% de todas as vendas ao exterior, enquanto o conjunto das manufaturas tecnológicas mal chegou a 20%.

Durante este período de expansão foi posto de lado o desenvolvimento industrial por parte das autoridades públicas devido a certas deficiências nas políticas desenvolvidas no passado (tais como não se concentrar nas vantagens comparativas ou nas fraqueza das instituições). No entanto, a estagnação da produção observada na região levou aos países a reconsiderar um papel industrializador mais ativo, embora o principal problema resida nas ações concretas para implementar de modo a que o resultado final seja positivo, pois parece haver poucas dúvidas que algumas das áreas que se deve incidir é o financiamento do desenvolvimento produtivo, a educação e a formação, aproveitando as oportunidades de internacionalização e apoio à inovação empresarial. Quanto a este último, dada a despesa escassa em I+D por parte dos países latino-americanos, o desafio a curto e médio prazo dos vários governos reside em proporcionar um investimento em inovação e desenvolvimento que permitirá adaptar tecnologias já desenvolvidas para locais específicos.

Uma última fraqueza mostrada pelas economias latino-americanas durante o tempo de “vacas gordas” foi o baixo nível de integração regional, aliado ao facto de que nos últimos anos os dois fluxos de comércio historicamente mais intensos (Brasil-Argentina e Colômbia-Venezuela) terem enfraquecido consideravelmente devido a atritos políticos.

Os países terão de avaliar em que medida o seu crescimento potencial tem sido prejudicado por estes anos de acumulação de desequilíbrios, num contexto em que, além disso a população em idade ativa está a diminuir. Embora seja verdade que a maioria dos países estão a voltar às taxas de crescimento anteriores ao grande boom (exceto em casos de países como o Brasil que estão numa recessão cíclica), o problema é que estes crescimentos são insuficientes para continuar a promover as transformações socioeconómicas necessárias e a convergência real com os países avançados. Os desafios a longo prazo passam por uma melhoria das políticas estruturais. Mas, como acontece tantas vezes, agora não há recursos públicos para financiá-las.

No atual contexto de abrandamento económico global, a América Latina (e especialmente América do Sul) está a sofrer uma crise mais grave do que outras regiões, ao contrário do que aconteceu em 2009. A origem da crise reside no colapso dos preços das matérias-primas, na queda do comércio mundial e na menor liquidez nos mercados financeiros internacionais, o que levou a depreciações cambiais, inflação mais elevada e aumento dos déficits fiscais e em conta corrente.

Os países latino-americanos, em geral, estão agora mais capazes de lidar com esta crise do que no final do século passado graças às suas bases económica e política fortes, incapazes de implementar políticas anticíclicas têm sido forçados a fazer fortes ajustes para garantir o equilíbrio macroeconómico.

No entanto, desta vez não existe o risco de uma “década perdida”, mas sim um novo ciclo confrontado com os pontos fortes e fracos herdados pela época de crescimento. No período de prosperidade económica, entre 2003 e 2014, houve avanços significativos no campo social, mas não em termos de produtividade, em parte pela ausência de políticas eficazes de desenvolvimento industrial. Embora até 2009 a maioria dos países conseguiram gerir com sucesso as receitas extraordinárias destinando-as à inversão, posteriormente começaram a sofrer uma ilusão de riqueza perpétua que os levou a dedicarem os rendimentos à divida pública de carácter permanente que agora não podem manter, dificultando a transição do modelo económico.

Apesar das tentativas para recuperarem as taxas de crescimento que lhes permitem continuar a convergir com os países avançados que fazem as políticas estruturais necessárias, o relatório considera que as autoridades públicas não têm mais espaço para realizá-las