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Perspetivas Sobre Acordo UE-Mercosul

(créditos imagem: https://ec.europa.eu/trade/policy/in-focus/eu-mercosur-association-agreement/)

Vinte anos de negociações produziram o maior acordo de comércio livre entre blocos regionais, mas o futuro da associação UE-Mercosul é ainda incerto. Divergências políticas e falta de confiança ameaçam o sucesso alcançado em 2019 e que criaria um mercado equivalente a ¼ do PIB mundial, com 800 milhões de pessoas. Se a importância económica do acordo é evidente pelo corte anual de €4 mil milhões nas tarifas do Mercosul para a EU e pela eliminação de 93% das tarifas da UE para o Mercosul, a sua importância política destaca-se ao constituir um grande triunfo do multilateralismo e do livre comércio. Adicionalmente, o acordo pauta-se pelo entendimento holístico do comércio livre ao promover desenvolvimento sustentável, direitos laborais, condições empresariais e abertura económica.

Para Portugal, o acordo com a Mercosul tem uma “importância estratégica, geopolítica e económica fundamental para a União Europeia”, refletindo-se isto no apoio da iniciativa ao longo do tempo, independentemente dos governos do país. Adicionalmente, o acordo também goza do apoio do setor empresarial português pelos benefícios que este trará, particularmente aos setores vinícola, industrial e têxtil, revelando um estudo de 2017 da Universidade Católica Portuguesa que o acordo terá um impacto imediato no PIB de Portugal, no mínimo, de 0,2%.

Não obstante a sua importância, parece ainda haver um longo caminho a percorrer, tanto nos aspetos formais – faltando finalizar, rever e traduzir o documento oficial – como sobretudo nos aspetos políticos, faltando a ratificação dos governos e parlamentos europeus e latino-americanos. É aqui que se encontra o maior entrave ao sucesso da iniciativa.

Do lado europeu, os governos da França, Alemanha, Países Baixos e Áustria já reiteraram a sua indisponibilidade para ratificar o acordo na sua forma presente, por alegadamente não confiarem no compromisso brasileiro no combate à desflorestação e às alterações climáticas, bastando um estado-membro não o fazer para que o acordo fracasse. Do lado do Mercosul, as posições dividem-se. No Brasil, o governo Bolsonaro afirma que o país sofre de críticas injustificadas, mas não deixa de reforçar que defende o acordo. Por outro lado, na Argentina, o governo de Alberto Fernández mostrou inicialmente ceticismo perante os benefícios do comércio livre, em particular durante a campanha presidencial, tendo evoluído para uma posição de pragmatismo económico ao consentir o acordo. Por fim, Paraguai e Uruguai mantêm o desejo de resolução célere resolução do impasse, mediando posições e alertando para o perigo estratégico do possível fracasso num contexto da ascensão regional chinesa.

Para o mundo lusófono, esta não é uma oportunidade a perder. O Brasil ocupa o 124º lugar no ranking anual de Ease of Doing Business do Banco Mundial e o 143º no ranking de liberdade económica da Heritage Foundation. Neste contexto, o setor empresarial brasileiro beneficiaria da simplificação de procedimentos, maior acesso ao mercado europeu e incentivos à melhoria da competitividade. Para Portugal, o acordo fortaleceria o papel do país enquanto porta europeia para as Américas, reforçando o já importante lugar do Brasil enquanto fornecedor e cliente do país. Portugal deve aproveitar a presidência rotativa do Conselho da UE para desbloquear o impasse, possivelmente através de um acordo adicional de cariz ambiental que dê nova confiança aos compromissos assumidos. Como mencionou o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, durante o X Encontro “Triângulo Estratégico: América Latina – Europa – África” do IPDAL, a presidência portuguesa não procura resolver todos os problemas, mas sim proporcionar as condições para que a resolução dos mesmos seja avançada. Importa, contudo, tal como afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Uruguai, garantir que qualquer compromisso seja bidirecional e com cedências recíprocas.

A Argentina, atual detentora da presidência rotativa pro tempore do Mercosul, afirmou estar aberta a propostas europeias que visem o desbloqueio do impasse decorrente, desde que sejam aplicáveis a ambas as partes e não alterem o equilíbrio do acordo nem incorporem sanções.

Se, por um lado, entender a posição europeia requer ver o bloco não só como uma união político-económica, mas também como uma comunidade de valores projetados globalmente, a compreensão da posição brasileira requer compreender preocupações legítimas das economias emergentes, que vêem o seu potencial económico limitado por valores inexistentes aquando da mesma fase de industrialização por parte das economias mais avançadas da atualidade. O futuro parece assim prever uma pressão cada vez maior sob o acordo, especialmente com o grande crescimento de forças políticas ambientalistas na Europa, um agravamento da situação económica na Argentina e novas eleições presidenciais a aproximarem-se no Brasil. Em todo o caso, esta é uma oportunidade única para a UE reforçar a sua presença no continente e sedimentar a interdependência da agenda comercial e climática, mas também para a Mercosul, revitalizando o bloco e dando importantes sinais de abertura económica e compromisso ambiental.

2021 promete ser um ano decisivo para o desbloqueio do acordo, importando não deixar o caos instaurado pela pandemia da Covid-19 afundar nas agendas diplomáticas a busca por um entendimento.

Texto: Nuno Vilão
Edição: Filipe Domingues

Fontes

1 – Brunsden, Jim; Schipani, Andres & Harris, Bryan. (2019). EU-Mercosur Trade Deal: What it all means. Financial Times. Disponível em: https://www.ft.com/content/a564ca96-99e7-11e9-8cfb-30c211dcd229 Acedido a 03/03/2021;
2 – Malamud, Carlos & Steinberg, Federico. (2019). El Acuerdo UE-Mercosur: ¿quién gana, quién pierde y qué significa el acuerdo? Real Instituto Elcano. Disponível em: http://www.realinstitutoelcano.org/wps/portal/rielcano_es/contenido?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/elcano/elcano_es/zonas_es/ari78-2019-malamud-steinberg-acuerdo-ue-mercosur-quien-gana-quien-pierde-que-significa-el-acuerdo Acedido a 04/03/2021;
3 – European Commission. (2019). EU-Mercosur Trade Agreement: Building Bridges for Trade and Sustainable Development;
4 – European Commission. (2019). EU-Mercosur Trade Agreement: Trade and Sustainable Development.
5 – República Portuguesa. (2021). Mercosul tem «importância estratégica, geopolítica e económica fundamental para a União Europeia». XXII Governo. Disponível em: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/noticia?i=mercosul-tem-importancia-estrategica-geopolitica-e-economica-fundamental-para-a-uniao-europeia Acedido a 15/03/2021;
6 – Marques, Ana Cristina. 5 Perguntas para entender o acordo “histórico” entre UE e Mercosul. Observador. Disponível em: https://observador.pt/2019/06/29/5-perguntas-para-entender-o-acordo-historico-entre-ue-e-mercosul/ Acedido a: 15/03/2021;
7 – Rangel Logistics Solutions. (2019). Acordo Mercosul-União Europeia: Quais os Benefícios para as Empresas Portuguesas. Disponível em: https://www.rangel.com/pt/blog/acordo-mercosul-uniao-europeia-beneficios-para-empresas-portuguesas/ Acedido a 15/03/2021;
8 – Lusa. (2017). Acordo com UE melhora PIB português. Dinheiro Vivo. Disponível em: https://www.dinheirovivo.pt/economia/acordo-com-ue-melhora-pib-portugues-12831716.html Acedido a 15/03/2021;
9 – European Commission. (2019). EU and Mercosur reach agreement on trade. News Archive. Disponível em: https://trade.ec.europa.eu/doclib/press/index.cfm?id=2039 Acedido a 03/03/2021;
10 – IEB; Fundación Nuevas Generaciones & Fundación Hanns Seidel. (2020). Fact Sheet Nº3 – Marzo 2020: La Pandemia del Covid-19 retrasa el proceso de revisión legal y revaloriza el acuerdo. Acuerdo de Asociación Estratégica Mercosur-UE;
11 – IEB; Fundación Nuevas Generaciones & Fundación Hanns Seidel. (2020). Fact Sheet Nº10 – Octubre 2020: Brasil responde a la oposición francesa y el Parlamento Europeo advierte no poder ratificar el acuerdo. Acuerdo de Asociación Estratégica Mercosur-UE;
12 – IEB; Fundación Nuevas Generaciones & Fundación Hanns Seidel. (2020). Fact Sheet Nº9 – Septiembre 2020: Caen las Expectativas de que el acuerdo se pueda firmar este año y Francia recrudece su oposición. Acuerdo de Asociación Estratégica Mercosur-UE;
13 – World Bank Group. (2020). Doing Business 2020: Ease of Doing Business in Brazil. Disponível em: https://www.doingbusiness.org/en/data/exploreeconomies/brazil Acedido a 04/03/2021;
14 – Heritage Foundation. (2021). Index of Economic Freedom. Disponível em: https://www.heritage.org/index/country/brazil#open-markets%20last Acedido a 04/03/2021;
15 – AICEP. (2020). Relações Económicas Bilaterais com o Brasil 2015-2020 (Janeiro a Julho). AICEP Portugal Global. Disponível em: https://www.portugalglobal.pt/PT/Biblioteca/Paginas/Detalhe.aspx?documentId=9d3cedff-9bd7-4392-b691-3a39ca3bb262 Acedido a 04/03/2021;
16 – IEB; Fundación Nuevas Generaciones & Fundación Hanns Seidel. (2020). Fact Sheet Nº11 –Noviembre 2020: Se dan los primeros contactos para firmar un acuerdo adicional en materia ambiental. Acuerdo de Asociación Estratégica Mercosur-UE;
17 – IEB; Fundación Nuevas Generaciones & Fundación Hanns Seidel. (2020). Fact Sheet Nº12 – Diciembre 2020: La visita a la UE del canciller de Uruguay trae buenos augurios sobre el futuro de la asociación birregional. Acuerdo de Asociación Estratégica Mercosur-UE;
18 – Graham-Harrison, Emma. (2019). A Quiet Revolution Sweeps Europe as Greens Become a Political Force. The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/politics/2019/jun/02/european-parliament-election-green-parties-success Acedido a 08/03/2021;
19 – The Guardian. (2021). The Guardian View on Germany’s Greens: Opportunity Knocks. Editorial. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2021/feb/16/the-guardian-view-on-germanys-greens-opportunity-knocks Acedido a 08/03/2021;
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